BROUGÈRE, Gilles. O brinquedo, objeto extremo. IN: ______. Brinquedo e cultura. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1997. p. 11-24.
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...o objeto é analisado como uma estreita associação entre uma função (ou uso em potencial) e um valor simbólico (ou significação social produzida pela imagem). [...] Sem função o objeto pode perder seu sentido usual [...] sua utilidade. Onde encontramos o domínio exclusivo do valor simbólico é no campo da arte [...] independente de qualquer uso, distinta [...] de qualquer concessão à arte decorativa.
[...] o brinquedo não se deixa incluir nessa análise: ele é marcado [...] pelo domínio do valor simbólico sobre a função [...] a dimensão simbólica torna-se, nele, a função principal [o que] aproxima-o da obra de arte. Porém [...] ele não é não-funcional, na medida em que essa dimensão funcional vem [...] se fundir [...] com sua significação enquanto imagem.
p. 12
[...] precisamos, em primeiro lugar, delimitar o que é legítimo chamar de brinquedo. [...] o vocabulário usual distingue [...] os brinquedos dos jogos. Aquilo que é chamado de jogo [...] pressupõe a presença de uma função como determinante no interesse do objeto e anterior ao seu uso legítimo [...]. Mesmo que para esses objetos a imagem seja essencial [...] a função justifica o objeto na sua própria existência como suporte de um jogo potencial. [...] os jogos de sociedade não são puras expressões de princípios lúdicos mas [...] são cada vez mais a representação de um aspecto da vida social, pelo menos quando não se referem a um universo imaginário. Eles associam valor simbólico e função [...].
p. 13
O brinquedo, em contrapartida, não parece definido por uma função precisa: trata-se, antes de tudo, de um objeto que a criança manipula livremente, sem estar condicionado a regras ou a princípios de utilização de outra natureza. [...] outra diferença entre o jogo e o brinquedo [:] o brinquedo é um objeto infantil [...] o jogo, ao contrário, pode ser destinado tanto à criança quanto ao adulto.
O brinquedo é um objeto distinto e específico, com imagem projetada em três dimensões, cuja função parece vaga. [...] podemos dizer que a função do brinquedo é a brincadeira [que] não pertence à ordem do não-funcional [e] é muito difícil descobrir uma função que poderíamos descrever com precisão [o que] a definiu em torno das ideias de gratuidade e até de futilidade. [...] na verdade, o que caracteriza a brincadeira é que ela pode fabricar seus objetos [...] desviando de seu uso habitual os objetos que cercam a criança;
p. 14
[...] é uma atividade livre, que não pode ser delimitada. [...] No brinquedo, o valor simbólico é a função. [...] o que é uma brincadeira senão a associação entre uma ação e uma ficção, ou seja, o sentido dado à ação lúdica? A brincadeira não pode estar limitada ao agir: é a lógica do fazer de conta e de tudo o que Piaget chama de brincadeira simbólica (ou semiótica). [...] O brinquedo é um fornecedor de representações manipuláveis, de imagens com volume: está aí [...] a grande originalidade e especificidade do brinquedo que é trazer a terceira dimensão para o mundo da representação.
[...] quanto mais se vai em direção ao jogo, mais a função vai levá-lo para a representação. [...]
p. 15
É preciso, portanto, considerar dois pólos no universo dos objetos lúdicos, do jogo ao brinquedo, do domínio da função ao domínio do símbolo com todas as situações intermediárias. [...] O pólo brinquedo [...] é marcado pelo domínio do simbólico sobre o funcional, até pelo fato de que o simbólico é a própria função do objeto. [...] importa [...] a função expressiva do objeto [...] o objeto deve significar, deve traduzir um universo real ou imaginário que será a fonte da brincadeira.
Com seu valor expressivo, o brinquedo estimula a brincadeira ao abrir possibilidades de ações coerentes com a representação: [...] uma boneca-bebê desperta atos de carinho[...] porém não existe no brinquedo uma função de maternagem,
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há uma representação num fundo de significação (bebê) dada ao objeto num meio social de referência. [...] Um outro exemplo desse valor da imagem que se torna função nos é dado pela predileção pelo fantástico e monstruoso nos bonecos destinados aos meninos.[...]
É por isso que o brinquedo me parece ser um objeto extremo, devido à superposição do valor simbólico à função. [...] Conceber e produzir um brinquedo é transformar em objeto uma representação, um mundo imaginário ou relativamente real. Se partirmos de uma função, conceber
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um brinquedo é introduzi-lo numa ficção e numa lógica simbólica. Assim acontece com alguns brinquedos cuja dimensão funcional deve estar traduzida numa imagem que vale por si mesma. [...]. Assim, o brinquedo propõe uma ação que possui um sentido fictício. [...] Pode-se analisar [...] a evolução do Lego, que, sem deixar de lado seu princípio de construção com tijolinhos propõe, atualmente, kits temáticos [...] [e] transforma a brincadeira de construção em brinquedo para construir, na medida em que a representação sobrepõe-se à função-construção, tornando-se a função principal. Nesse caso, a construção se torna o pré-requisito necessário para a brincadeira.
Esse aspecto simbólico no brinquedo não deve ser tomado como uma característica independente do contexto
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econômico no qual ele evolui. [...] o brinquedo tem sido objeto de publicidade na televisão [e] Esse fato tem incidência sobre o que ele é. [...] As pressões da propaganda na televisão, a publicidade, assim como os desenhos animados que dão origem aos personagens de brinquedos levam a aumentar, ainda mais, a dimensão expressiva e simbólica do brinquedo, pela qual ele vai se diferenciar de todos os outros. Consequentemente, o grande sucesso de alguns brinquedos origina-se na concepção de novas imagens. Esse foi o caso dos "Ursinhos Carinhosos" [...].
p. 19
[...] a imagem do brinquedo não é qualquer imagem: ela deve ser manipulável no interior da atividade lúdica da criança e corresponder à lógica da brincadeira e da expectativa daquele que orienta
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na compra em termos de imagem. Convém [...] distinguir o brinquedo cuja compra foi orientada pelos pais [...] daquele que é pedido pela própria criança. No primeiro caso, a imagem deve, acima de tudo, seduzir o adulto e representar sua relação com a infância. [...] bichos de pelúcia ou [...] objetos para manipulação tende[m] a propor uma imagem da criança compatível com a representação positiva que fazemos dela: os brinquedos usam [...] o animismo e o antropomorfismo [...]. Códigos que dão conotação da infância, na nossa sociedade, são amplamente usados. [...] Através do brinquedo, os pais marcam a importância que eles dedicam a seu filho. Assim, as representações utilizam os arquétipos adequados à nossa imagem da criança: por exemplo, a casa tem um telhado vermelho, que significa a segurança e a intimidade do lar.[...] O brinquedo, nessa idade, representa a relação familiar que se faz presente junto à criança.
Quando a criança cresce [...] o mais provável é que ela vá procurar imagens sedutoras de seu futuro estado
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adulto, através da beleza, da riqueza ou da aventura. A diferença sexual é, aqui, essencial na valorização das imagens. [...] A imagem remete a uma função social que consiste em propor um conteúdo para o desejo. Pode-se dizer que o brinquedo socializa o desejo, dando-lhe uma forma que pode ser dominada através da brincadeira.
[...] função social dessa imagem representada que é o brinquedo, na essência, mas que não se deve confundir com a função da brincadeira. O brinquedo é, acima de tudo, um dos meios para desencadear a brincadeira.
p. 22
Outras funções sociais do brinquedo [Natal] em torno da posse e de seu valor de prestígio, até mesmo de sua dimensão mais íntima de suporte de relação afetiva, reforçam a dimensão da imagem tridimensional do brinquedo. A imagem torna-se a própria expressão da função do brinquedo, portadora dos valores simbólicos que lhe conferem uma significação social.
[...] no que diz respeito ao brinquedo, [...] a função deriva da imagem e não o contrário. [...] O brinquedo tem por característica essencial ser uma imagem num objeto e num volume [...] deve ser manipulável pela criança e isso supõe uma adaptação, [...] deve conter funções lúdicas precisas e possibilidades de manipulação que deverão se harmonizar
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com a imagem para não destruir seu sentido.[...]
O resultado é que a concepção de um brinquedo deve se apoiar no estudo sistemático dos universos simbólicos que serão explorados. [...] Criar um brinquedo é propor uma imagem que vale por si mesma e que dispõe, assim, de um potencial de sedução, que permite ações e manipulações, em harmonia com as representações sugeridas. [...] Uma análise puramente funcional do objeto, em vez de dissolver a imagem, correria o risco de conduzir a um esquecimento de como é que ela dá significação ao objeto.
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[...] o brinquedo [...] nos permite vislumbrar uma direção na análise da relação entre imagem e função no objeto. [...] a imagem pode ser a função ou participar diretamente dela, como nos mostra o brinquedo.
...o objeto é analisado como uma estreita associação entre uma função (ou uso em potencial) e um valor simbólico (ou significação social produzida pela imagem). [...] Sem função o objeto pode perder seu sentido usual [...] sua utilidade. Onde encontramos o domínio exclusivo do valor simbólico é no campo da arte [...] independente de qualquer uso, distinta [...] de qualquer concessão à arte decorativa.
[...] o brinquedo não se deixa incluir nessa análise: ele é marcado [...] pelo domínio do valor simbólico sobre a função [...] a dimensão simbólica torna-se, nele, a função principal [o que] aproxima-o da obra de arte. Porém [...] ele não é não-funcional, na medida em que essa dimensão funcional vem [...] se fundir [...] com sua significação enquanto imagem.
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[...] precisamos, em primeiro lugar, delimitar o que é legítimo chamar de brinquedo. [...] o vocabulário usual distingue [...] os brinquedos dos jogos. Aquilo que é chamado de jogo [...] pressupõe a presença de uma função como determinante no interesse do objeto e anterior ao seu uso legítimo [...]. Mesmo que para esses objetos a imagem seja essencial [...] a função justifica o objeto na sua própria existência como suporte de um jogo potencial. [...] os jogos de sociedade não são puras expressões de princípios lúdicos mas [...] são cada vez mais a representação de um aspecto da vida social, pelo menos quando não se referem a um universo imaginário. Eles associam valor simbólico e função [...].
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O brinquedo, em contrapartida, não parece definido por uma função precisa: trata-se, antes de tudo, de um objeto que a criança manipula livremente, sem estar condicionado a regras ou a princípios de utilização de outra natureza. [...] outra diferença entre o jogo e o brinquedo [:] o brinquedo é um objeto infantil [...] o jogo, ao contrário, pode ser destinado tanto à criança quanto ao adulto.
O brinquedo é um objeto distinto e específico, com imagem projetada em três dimensões, cuja função parece vaga. [...] podemos dizer que a função do brinquedo é a brincadeira [que] não pertence à ordem do não-funcional [e] é muito difícil descobrir uma função que poderíamos descrever com precisão [o que] a definiu em torno das ideias de gratuidade e até de futilidade. [...] na verdade, o que caracteriza a brincadeira é que ela pode fabricar seus objetos [...] desviando de seu uso habitual os objetos que cercam a criança;
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[...] é uma atividade livre, que não pode ser delimitada. [...] No brinquedo, o valor simbólico é a função. [...] o que é uma brincadeira senão a associação entre uma ação e uma ficção, ou seja, o sentido dado à ação lúdica? A brincadeira não pode estar limitada ao agir: é a lógica do fazer de conta e de tudo o que Piaget chama de brincadeira simbólica (ou semiótica). [...] O brinquedo é um fornecedor de representações manipuláveis, de imagens com volume: está aí [...] a grande originalidade e especificidade do brinquedo que é trazer a terceira dimensão para o mundo da representação.
[...] quanto mais se vai em direção ao jogo, mais a função vai levá-lo para a representação. [...]
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É preciso, portanto, considerar dois pólos no universo dos objetos lúdicos, do jogo ao brinquedo, do domínio da função ao domínio do símbolo com todas as situações intermediárias. [...] O pólo brinquedo [...] é marcado pelo domínio do simbólico sobre o funcional, até pelo fato de que o simbólico é a própria função do objeto. [...] importa [...] a função expressiva do objeto [...] o objeto deve significar, deve traduzir um universo real ou imaginário que será a fonte da brincadeira.
Com seu valor expressivo, o brinquedo estimula a brincadeira ao abrir possibilidades de ações coerentes com a representação: [...] uma boneca-bebê desperta atos de carinho[...] porém não existe no brinquedo uma função de maternagem,
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há uma representação num fundo de significação (bebê) dada ao objeto num meio social de referência. [...] Um outro exemplo desse valor da imagem que se torna função nos é dado pela predileção pelo fantástico e monstruoso nos bonecos destinados aos meninos.[...]
É por isso que o brinquedo me parece ser um objeto extremo, devido à superposição do valor simbólico à função. [...] Conceber e produzir um brinquedo é transformar em objeto uma representação, um mundo imaginário ou relativamente real. Se partirmos de uma função, conceber
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um brinquedo é introduzi-lo numa ficção e numa lógica simbólica. Assim acontece com alguns brinquedos cuja dimensão funcional deve estar traduzida numa imagem que vale por si mesma. [...]. Assim, o brinquedo propõe uma ação que possui um sentido fictício. [...] Pode-se analisar [...] a evolução do Lego, que, sem deixar de lado seu princípio de construção com tijolinhos propõe, atualmente, kits temáticos [...] [e] transforma a brincadeira de construção em brinquedo para construir, na medida em que a representação sobrepõe-se à função-construção, tornando-se a função principal. Nesse caso, a construção se torna o pré-requisito necessário para a brincadeira.
Esse aspecto simbólico no brinquedo não deve ser tomado como uma característica independente do contexto
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econômico no qual ele evolui. [...] o brinquedo tem sido objeto de publicidade na televisão [e] Esse fato tem incidência sobre o que ele é. [...] As pressões da propaganda na televisão, a publicidade, assim como os desenhos animados que dão origem aos personagens de brinquedos levam a aumentar, ainda mais, a dimensão expressiva e simbólica do brinquedo, pela qual ele vai se diferenciar de todos os outros. Consequentemente, o grande sucesso de alguns brinquedos origina-se na concepção de novas imagens. Esse foi o caso dos "Ursinhos Carinhosos" [...].
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[...] a imagem do brinquedo não é qualquer imagem: ela deve ser manipulável no interior da atividade lúdica da criança e corresponder à lógica da brincadeira e da expectativa daquele que orienta
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na compra em termos de imagem. Convém [...] distinguir o brinquedo cuja compra foi orientada pelos pais [...] daquele que é pedido pela própria criança. No primeiro caso, a imagem deve, acima de tudo, seduzir o adulto e representar sua relação com a infância. [...] bichos de pelúcia ou [...] objetos para manipulação tende[m] a propor uma imagem da criança compatível com a representação positiva que fazemos dela: os brinquedos usam [...] o animismo e o antropomorfismo [...]. Códigos que dão conotação da infância, na nossa sociedade, são amplamente usados. [...] Através do brinquedo, os pais marcam a importância que eles dedicam a seu filho. Assim, as representações utilizam os arquétipos adequados à nossa imagem da criança: por exemplo, a casa tem um telhado vermelho, que significa a segurança e a intimidade do lar.[...] O brinquedo, nessa idade, representa a relação familiar que se faz presente junto à criança.
Quando a criança cresce [...] o mais provável é que ela vá procurar imagens sedutoras de seu futuro estado
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adulto, através da beleza, da riqueza ou da aventura. A diferença sexual é, aqui, essencial na valorização das imagens. [...] A imagem remete a uma função social que consiste em propor um conteúdo para o desejo. Pode-se dizer que o brinquedo socializa o desejo, dando-lhe uma forma que pode ser dominada através da brincadeira.
[...] função social dessa imagem representada que é o brinquedo, na essência, mas que não se deve confundir com a função da brincadeira. O brinquedo é, acima de tudo, um dos meios para desencadear a brincadeira.
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Outras funções sociais do brinquedo [Natal] em torno da posse e de seu valor de prestígio, até mesmo de sua dimensão mais íntima de suporte de relação afetiva, reforçam a dimensão da imagem tridimensional do brinquedo. A imagem torna-se a própria expressão da função do brinquedo, portadora dos valores simbólicos que lhe conferem uma significação social.
[...] no que diz respeito ao brinquedo, [...] a função deriva da imagem e não o contrário. [...] O brinquedo tem por característica essencial ser uma imagem num objeto e num volume [...] deve ser manipulável pela criança e isso supõe uma adaptação, [...] deve conter funções lúdicas precisas e possibilidades de manipulação que deverão se harmonizar
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com a imagem para não destruir seu sentido.[...]
O resultado é que a concepção de um brinquedo deve se apoiar no estudo sistemático dos universos simbólicos que serão explorados. [...] Criar um brinquedo é propor uma imagem que vale por si mesma e que dispõe, assim, de um potencial de sedução, que permite ações e manipulações, em harmonia com as representações sugeridas. [...] Uma análise puramente funcional do objeto, em vez de dissolver a imagem, correria o risco de conduzir a um esquecimento de como é que ela dá significação ao objeto.
p. 24
[...] o brinquedo [...] nos permite vislumbrar uma direção na análise da relação entre imagem e função no objeto. [...] a imagem pode ser a função ou participar diretamente dela, como nos mostra o brinquedo.