sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

FICHAMENTO DE TRANSCRIÇÃO — O Jogo - Piaget


PIAGET, Jean. O jogo. ______. In: A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC — Livros Técnicos e Científicos Editora S.A. 1990. p. 115-148.
______________________________________________________________ 


[Fases do Jogo segundo Piaget]


p. 115
[...] o jogo é essencialmente assimilação, ou assimilação predominando sobre a acomodação. 

p. 116

[...] o jogo da imaginação constitui, com efeito, uma transposição simbólica que sujeita as coisas à atividade do indivíduo, sem regras nem limitações. Logo, é a assimilação quase pura, quer dizer, pensamento orientado pela preocupação dominante da satisfação individual. Simples expansão de tendências, assimila livremente todas as coisas a todas as coisas e todas as coisas ao eu. [...] Enfim, com a socialização da criança, o jogo adota regras ou adapta cada vez mais a imaginação simbólica aos dados da realidade, sob a forma de construções ainda espontâneas mas imitando o real; sob essas duas formas, o símbolo de assimilação individual cede assim o passo, quer à regra coletiva, quer ao símbolo representativo ou objetivo, quer aos dois reunidos.
Verifica-se, pois, que a evolução do jogo, que interfere incessantemente com a da imitação e da representação em geral, permite dissociar os diversos tipos de símbolos, desde aquele que, pelo seu mecanismo de simples assimilação egocêntrica, se distancia ao máximo do "signo", até aquele que, pela sua natureza de representação simultaneamente acomodadora e assimiladora, converge com o signo conceptual sem que, entretanto, se confunda com ele.

p. 117
Capítulo IV: O Nascimento do Jogo


p. 118

A imitação e o jogo unir-se-ão, bem entendido, mas somente no nível da representação, e constituirão assim o conjunto do que poderíamos designar por adaptações inatuais, em contraste com a inteligência em ato e em trabalho. Durante as fases sensório-motoras puras, pelo contrário, a imitação e o jogo ainda se encontram separados e mesmo, de algum modo, antitéticos. E é por isso que os estudamos separadamente.


[fases dos exercícios lúdicos]

[...] primeira fase que é a das adaptações puramente reflexas. 

Durante a segunda fase, pelo contrário, o jogo já parece duplicar uma parte das condutas adaptativas. 

p. 119

[...] após ter manifestado, pela sua seriedade, uma grande atenção e um grande esforço de acomodação, a criança reproduz em seguida as suas condutas por mero prazer, com uma mímica de sorriso ou mesmo de riso, e sem aquela expectativa dos resultados que é tão característica da reação circular que instrui.

p. 120

[...] durante essa segunda fase, o jogo só se esboça ainda na forma de uma diferenciação ligeira da assimilação adaptativa. Somente em virtude do processo contínuo de desenvolvimento é que poderemos até, por recorrência, falar de duas realidades distintas. Mas a evolução ulterior do jogo permite assinalar desde já essa dualidade, assim como a evolução da imitação leva a distinguir a imitação nascente, a partir da auto-imitação contida na reação circular.

Durante a terceira fase, ou fase das reações circulares secundárias, o processo mantém-se inalterado, mas a diferenciação entre o jogo e a assimilação intelectual é um pouco mais nítida. Com efeito, desde o momento em que as 

p. 121

reações circulares já não afetam somente o corpo do sujeito ou os quadros perceptivos vinculados à atividade sensorial elementar, mas também os objetos manipulados com uma intencionalidade crescente.

No curso da quarta fase, ou fase da coordenação dos esquemas secundários, pode-se assinalar o aparecimento de duas novidades relativas ao jogo. 

p. 122

Em primeiro lugar, as condutas mais características deste período, ou "aplicação de esquemas conhecidos às novas situações" [...] são suscetíveis, como as precedentes, de prolongarem-se em manifestações lúdicas, na medida em que elas são executadas por pura assimilação, isto é, pelo prazer de agir e sem esforço de adaptação, tendo em vista atingir uma finalidade determinada. 
[...] Em segundo lugar, a mobilidade dos esquemas [...] permite a formação de verdadeiras combinações lúdicas, passando o sujeito de um esquema a outro não para explorá-los sucessivamente, como até aqui, mas para assegurar-se deles diretamente e sem qualquer esforço de adaptação.

p. 123
[...] Portanto, há inteligência propriamente dita, porque a adaptação dos esquemas a uma realidade exterior constitui um problema. No caso presente, pelo contrário, os esquemas, embora associando-se mutuamente segundo um processo análogo e aplicando-se cada um aos detalhes com o mesmo escrúpulo, sucedem-se, porém, sem uma finalidade exterior. Os objetos a que eles se aplicam já não constituem problema e servem, simplesmente, de ensejo para a atividade própria do sujeito. Quanto a essa atividade, tampouco já implica a aprendizagem mas uma simples exibição jubilosa de gestos conhecidos.
Mas, em tais condutas, [...] há o que poderíamos chamar uma espécie de "ritualização" dos esquemas,os quais, ao saírem de seu contexto adaptativo, como que são imitados ou "jogados" plasticamente. [...] entende-se facilmente como essa "ritualização" prepara a formação dos jogos simbólicos: bastaria, para que o ritual lúdico se transformasse em símbolo, que a criança, em vez de desenrolar simplesmente o ciclo dos seus movimentos habituais, tivesse consciência da ficção, isto é "fingisse" que dormia.
[...] no decurso da fase quinta, certas novidades vão assegurar, justamente, a transição entre essas condutas da fase IV e o símbolo lúdico da fase VI, acentuando por isso mesmo o caráter de ritualização que acabamos de apontar.

p. 125

Portanto, os rituais da presente fase prolongam os da anterior, com uma só diferença: enquanto os da fase IV consistem, simplesmente, em repetir e associar os esquemas já constituídos, com um fim não-lúdico, os da presente fase constituem-se quase imediatamente em jogos e manifestam uma fertilidade muito maior de combinações. [...] Ora, esse progresso no sentido da ritualização lúdica dos esquemas acarreta um desenvolvimento correlativo no sentido do simbolismo. [...] já aí podemos apontar um esboço de símbolo em ação.
Com a sexta fase, finalmente, o símbolo lúdico desliga-se do ritual, sob a forma de esquemas simbólicos, graças a um progresso decisivo no sentido da representação.


p. 138


A Classificação dos jogos e sua evolução, a partir do aparecimento da linguagem


Após termos analisado a gênese do jogo durante os dois primeiros anos da existência, importa agora acompanhar o seu desenvolvimento ulterior, notadamente, nos níveis do pensamento verbal e intuitivo (dos dois aos sete anos) e, depois, da inteligência operatória concreta (sete a onze anos) e abstrata (dos onze anos em diante). [...]
No domínio do jogo, em especial, as classificações correntes [psicologia] revelam-se inaplicáveis, uma vez que não se baseiam numa pura análise estrutural, independentemente de interpretações.



p. 144

2. O exercício, o símbolo e a regra

[...] deparamo-nos, pois, com três grandes tipos de estruturas que caracterizam os jogos infantis e dominam a classificação de detalhe: o exercício, o símbolo e a regra, constituindo os jogos de "construção" a transição entre os três e as condutas adaptadas.

Certos jogos não supõem qualquer técnica particular: simples exercícios, põem em ação um conjunto variado de condutas, mas sem modificar as respectivas estruturas, tal como se apresentam no estado de adaptação atual. Logo, somente a função diferencia esses jogos, que exercitam tais estruturas, por assim dizer, em vazio, sem outra finalidade que não o próprio prazer do funcionamento. Por exemplo, quando o sujeito pula um riacho pelo prazer de saltar e volta ao ponto de partida para recomeçar etc., executa os mesmos movimentos que se saltasse por necessidade de passar para a outra margem; mas fá-lo por mero divertimento e não por necessidade, ou para aprender uma nova conduta.
[...] 

Esse jogo de simples exercício, sem intervenção de símbolos ou ficções nem de regras, caracteriza especialmente as condutas animais.

p. 146

Uma segunda categoria de jogos infantis é a que denominaremos o jogo simbólico. Ao invés do jogo de exercício, que não supõe o pensamento nem qualquer estrutura representativa especificamente lúdica, o símbolo implica a representação fictícia, porquanto essa comparação consiste numa assimilação deformante.

p. 147

[...] A maioria dos jogos simbólicos, salvo as construções de pura imaginação, ativa os movimentos e atos complexos.  Eles são, pois, simultaneamente sensório-motores e simbólicos, mas chamamo-lhes simbólicos na medida em que ao simbolismo se integram os demais elementos. Além disso, as suas funções afastam-se cada vez mais do simples exercício: a compensação, a realização dos desejos, a liquidação dos conflitos etc. somam-se incessantemente aos simples prazer de se sujeitar à realidade, a qual prolonga, por si só, o prazer de ser causa inerente ao exercício sensório motor.
[...] Enfim, aos jogos simbólicos sobrepõe-se, no curso do desenvolvimento, uma terceira grande categoria, que é a dos jogos com regras. Ao invés do símbolo, a regra supõe, necessariamente, relações sociais ou interindividuais.

p. 148

Exercício, símbolo e regras, tais parecem ser as três fases sucessivas que caracterizam as grandes classes de jogos, do ponto de vista de suas estruturas mentais.